Depois de invadir os museus, grafites viram obras de arte nas residências
Juliana Bianchi, iG São Paulo
Renegados por muito tempo nos muros das cidades, os
grafites ganharam, definitivamente, status de obra de arte. Em um
movimento natural desse processo, os grafites passaram a dividir espaço
com as pinturas clássicas também nas paredes residenciais. Seja na casa
de colecionadores ou simplesmente de quem quer completar a decoração com
um toque de modernidade exclusiva.
Felix Lima
Grafite feito por Nunca para a casa da estilista Francis Petrucci
De olho na tendência, o arquiteto Mauricio Queiroz chamou
o artista de rua Leandro Solovjovas para criar algo único em uma das
paredes da cozinha projetada por ele na Casa Cor Trio. O resultado foi
um monstro gourmet que saía do espaço previamente demarcado para a obra e
interagia com o ambiente.
“O resultado desse tipo de trabalho é sempre fantástico
porque trata-se de uma expressão muito natural e espontânea, que sempre
conversa com o espaço em que está inserida”, afirma Queiróz. “Se
tivéssemos colocado uma pintura tradicional, o resultado não teria sido
tão interessante”, completa.
Questão conceitual ainda gera polêmica
Felix Lima
A casa da estilista Francis Petrucci possui vários grafites, como esse d’osgemeos
Já vislumbrando a valorização de seu trabalho e para
estimular a adesão do público em geral, muitos artistas de rua trocaram
os muros pelas telas. Mas, numa discussão polêmica, que envolve
artistas, galeristas e críticos, há quem acredite que o verdadeiro
grafite é apenas aquele feito diretamente sobre a parede, sem espaços
demarcados e temas previamente encomendados.
“O que dá vida ao grafite é estar na rua e ser um
elemento surpresa na cidade. Um dia estar lá e no outro não. Quando vai
para museu ou casa não é grafite. É qualquer outra coisa: pintura, arte
contemporânea, decoração”, afirma o grafiteiro Nunca, que depois de
espalhar seus desenhos pelos muros de São Paulo, hoje comercializa telas
na Europa por até R$ 22 mil.
Mas, mesmo com o mercado de arte urbana em alta e a
polêmica conceitual borbulhando, ainda há quem se arrisque a ter um
desenho feito diretamente na parede de casa. Caso da psicóloga Claudia
Pirez Vaz, de 61 anos, que recentemente contratou o grafiteiro recifense
Derlon Almeida – responsável pelo grafite do restaurante Dalva &
Dito, do chef Alex Atala - para reproduzir uma de suas figuras autorais
na parede da sala.
“Vi uma obra dele numa revista e me encantei. Nunca
imaginei que eles fizessem isso na parede de casa. Sei que é uma obra de
arte que não vou poder mudar de lugar e, caso tenha de trocar de casa,
terei de deixá-la, mas vale a pena.”
O sentimento de desapego conformado é idêntico ao da
estilista Francis Petrucci, que desde 2004 convive com vários grafites
d’osgemeos e de Nunca nas paredes e muros de sua casa, no Jardim
Paulistano. Amiga dos artistas, ela teve o privilégio de ganhar de Natal
os grafites que, atualmente valem tanto ou mais que a própria casa
alugada. “Entreguei a casa para que eles fizessem o que quisessem. Mas
combinei que vou pintar tudo de branco quando sair daqui “, diz ela, que
chegou a ter problemas com alguns vizinhos, que não gostaram de ver um
muro grafitado na região.
Artistas criam fórmulas para tornar perene, obras temporárias
Felix Lima
Trabalho do grafiteiro recifense Derlon Almeida
Mais prática e aberta a outras interpretações da arte,
Isabella Prata conta que já teve três obras feitas diretamente nas
paredes de sua casa. A primeira foi quando ainda era criança e teve seu
quarto grafitado pelo cineasta José Rubens Siqueira. A segunda foi
encomendada a um artista de rua para decorar, com a imagem do herói de
histórias em quadrinhos Spirit, o quarto de seu filho.
A mais recente, criada pelo artista alemão Franz
Ackerman, está no limbo conceitual que mistura grafite, pintura,
intervenção e instalação. Adquirida durante uma exposição, onde estava
pintada na parede da galeria, a obra chegou à residência de Isabella em
forma de transparência. A partir da projeção do desenho na parede foi
possível reproduzir a imagem original. “É uma forma válida de tornar
eterna uma obra que tem caráter temporário. O grafite original tem a
questão da exclusividade, da obra única, mas você pode não querer isso”,
defende ela.
Grafites encomendados têm preços variados
Enquanto os desenhos feitos em telas se valorizam a
passos largos, o trabalho em mural ainda permanece razoavelmente
acessível. Artistas como Derlon Almeida, que começou agora a descobrir
esse mercado, costumam cobrar em média R$ 2 mil pelo metro quadrado
grafitado. Se nas ruas eles querem fazer suas criações com traços
livres, em trabalhos encomendados, entretanto, eles preferem seguir
modelos. “Quando querem algo diferente, faço um esboço no papel antes
para ver se agrada”, diz Almeida.
“Já perdi muito tempo e tive muita dor de cabeça tentando
fazer o que estava na cabeça do cliente. Agora só aceito fazer
reproduções de trabalhos meus”, afirma Ozi Duarte, que pelo menos na
Bienal de Arquitetura deste ano teve liberdade para mostrar seu trabalho
em um painel de 40 m².
-Qual o espaço onde será feita a pintura (quarto infantil, fachada de loja...);
- Metragem da parede (altura x comprimento)
- Se você possui imagens (desenhos e fotos da parede) pode envia-las.
Profissionais usam grafite para deixar ambiente mais descontraído e
motivo principal pela escolha dessa nova alternativa e a exclusividade
de cada obra
Depois de lutar durante décadas para ser reconhecido como arte, o
grafite parte dos espaços públicos para a decoração de interiores. Com
seu lugar garantido como forma de expressão das mazelas urbanas, é
sucesso entre jovens e ganha até a admiração dos mais conservadores. Nas
residências, trabalhos dessa natureza chegam a ocupar paredes inteiras e
são capazes de trazer descontração a qualquer cômodo.
No projeto do arquiteto David Bastos para um apartamento em Ipanema,
Zona Sul do Rio, com a intenção de aliar a elegância à descontração, ele
deu carta branca ao conceituado grafiteiro Binho Ribeiro para elaborar
uma obra que tomasse conta do ambiente. O resultado foi um polvo
multicolorido com quase dois metros de altura e quatro de comprimento.
“Queria algo capaz de 'abraçar' as pessoas na sala. Imediatamente,
pensei em recorrer ao grafite, gênero que aprecio muito”, destaca David.
O
arquiteto afirma que o estilo consegue trazer a emoção e parte da
personalidade do artista para o ambiente. Ele ressalta, ainda, que o
trabalho transformou a área de convivência em um espaço único.
A arquiteta Cris Perin concorda que a exclusividade é um dos pontos
mais positivos do uso do grafite nas residências. Junto com o também
arquiteto Bruno Madeira, ela idealizou o projeto de uma cozinha que foge
totalmente do convencional.
“O cômodo foi inspirado em um canteiro de obras. Nesse contexto, a
intenção para a parede era fazer referência aos tapumes pichados. Outro
ponto interessante do projeto é que grande parte dos materiais que
usamos foi, de fato, reaproveitado de construções”, explica Cris Perin.
Bastante abstrato, o desenho conferiu um ar moderno e realçou o
canto, que antes estava escondido na cozinha de 23 metros quadrados
feita para a mostra Casa&Design. De acordo com a arquiteta, o
grafite se aprimorou e é cada vez mais aceito pelo público: “Essa arte passou a ser mais comercial e conseguiu conquistar também os mais velhos”, comenta. Sem restrições para a arte do momento
No projeto da arquiteta Fernanda Marques, o grafite aparece no cômodo
mais inusitado da casa: a parede principal do lavabo. Admiradora
confessa da arte urbana, a arquiteta afirma ter acompanhado o movimento
desde o início.
“No caso do grafite, a técnica conseguiu espaço na decoração de
interiores assim como o streetwear – moda de rua – ganhou as
passarelas”, avalia. “Não há restrição para este tipo de trabalho. Ele
está livre para acontecer dentro da casa e é a arte do momento”,
acrescenta.